O Senado aprovou nesta quarta-feira (28) um projeto que estabelece limites significativos à publicidade de apostas esportivas — conhecidas como “bets” — no Brasil. O texto proíbe o uso de figuras públicas, como atletas, artistas, influenciadores e comunicadores, em campanhas publicitárias dessas plataformas, entre outras restrições voltadas à proteção de públicos vulneráveis, especialmente crianças, jovens e pessoas em situação de fragilidade financeira.
A proposta foi aprovada por ampla maioria e agora segue para análise da Câmara dos Deputados.
Nova abordagem, não proibição total
Originalmente, o projeto do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN) previa a proibição total da divulgação de apostas em qualquer meio de comunicação. No entanto, a versão aprovada — um substitutivo apresentado pelo relator, senador Carlos Portinho (PL-RJ) — opta por um modelo de regulamentação mais equilibrado, que reconhece a legalidade do setor, mas impõe freios à forma como essas empresas podem se promover.
Portinho destacou que, desde a regulamentação das apostas esportivas, o setor falhou em estabelecer regras de autorregulação para a publicidade, limitando-se, em muitos casos, a frases genéricas sobre “jogo responsável”. Segundo ele, essas medidas são insuficientes diante dos riscos reais associados ao vício.
“A proposta é encontrar um caminho não de total proibição da publicidade de apostas esportivas, mas de uma regulamentação capaz de disciplinar a publicidade sobre apostas, reduzindo sobremaneira o alcance ao público jovem e às crianças”, afirmou Portinho em seu relatório.
Alerta sobre vício e impactos sociais
Diversos senadores manifestaram preocupação com os impactos do vício em apostas, citando casos de empobrecimento, adoecimento psicológico e até suicídios. O senador Styvenson Valentim chamou a atenção para o fato de que a ilusão promovida por influenciadores nas redes sociais tem levado muitos brasileiros a acreditar que podem enriquecer com jogos de azar.
“Tem pessoas se degradando, perdendo patrimônio, ficando doentes psicologicamente, sendo vítimas até de suicídio ou de cobranças de agiotas”, afirmou o autor do projeto.
Um levantamento do Instituto DataSenado, realizado em 2024, apontou que 13% dos brasileiros com 16 anos ou mais haviam apostado nos 30 dias anteriores à pesquisa — o que corresponde a cerca de 22 milhões de pessoas. Mais da metade desse grupo (52%) vive com até dois salários mínimos por mês.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE), que também defende restrições ainda mais duras, apoiou o substitutivo por vê-lo como um avanço, mesmo sem a proibição total. Ele alertou para o alto endividamento causado pelas apostas.
“A produtividade do brasileiro […] se perdeu no meio do caminho, a produtividade do brasileiro, que, para sustentar o vício, tem que pedir demissão, tem que pedir férias para pegar o dinheiro para pagar aos agiotas”, criticou Girão.
A senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão de Esporte, elogiou a construção do texto e reforçou que as restrições se fazem necessárias diante da falta de autorregulação do setor.
“A gente viu essa disseminação em massa de publicidade de bets, que não trouxe absolutamente nada… aliás, trouxe muita gente com problemas de vício, índices de suicídio”, declarou.
Como ficam as regras
O novo texto altera a Lei nº 14.790/2023 para incluir restrições específicas à propaganda. Entre as proibições, estão:
- Anúncios durante transmissões esportivas ao vivo;
- Participação de celebridades, atletas, influenciadores e autoridades;
- Apresentação das apostas como solução para problemas financeiros ou como símbolo de sucesso;
- Uso de personagens infantis ou elementos voltados ao público jovem;
- Envio de mensagens sem consentimento;
- Qualquer associação entre apostas e conteúdo discriminatório, sexista ou misógino.
Por outro lado, a publicidade será permitida, com restrições, em meios como TV, rádio e internet, desde que respeitados horários e faixas etárias. A propaganda também será permitida nos canais próprios das casas de apostas, mediante acesso voluntário do usuário.
Clubes esportivos e exceções
A proposta gerou reação entre clubes de futebol, que temem perda de receita com a proibição de patrocínios. Portinho esclareceu que o texto prevê exceções para casos em que a empresa de apostas é patrocinadora oficial do evento, do estádio ou das equipes — desde que respeitado o limite de um anunciante por time.
Além disso, o patrocínio em uniformes será permitido, exceto para atletas menores de idade ou em roupas vendidas em tamanhos infantis. A exibição de marcas poderá ocorrer também em eventos esportivos e culturais, desde que sem conteúdo promocional ou incentivo direto às apostas.
Frase obrigatória nas campanhas
Todas as peças publicitárias deverão exibir, de forma clara, a seguinte advertência:
“Apostas causam dependência e prejuízos a você e à sua família.”
Segundo Portinho, a frase foi definida durante audiências públicas, com base em evidências de políticas bem-sucedidas, como a campanha antitabagismo no Brasil.
Responsabilidade das plataformas
O texto aprovado também determina que plataformas digitais e empresas de mídia poderão ser responsabilizadas solidariamente caso não retirem campanhas publicitárias irregulares após notificação do Ministério da Fazenda. Isso inclui redes sociais, sites, provedores de internet e aplicativos.