Ex-usuária de drogas, Maria Solange recebeu ajuda após o vídeo ser compartilhado pela cantora em 2020. Hoje está sóbria, empregada e quer fazer faculdade de Psicologia.
Maria Solange Amorim, de 55 anos, concluiu nesta quarta-feira (25) o ensino médio por meio do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), em Guarulhos, na Grande São Paulo. A formatura representa uma virada de página na vida da mulher que ficou conhecida nacionalmente em 2020, ao ser filmada dançando Holiday, de Madonna, em um bar de Manaus.
Na época, ela vivia o luto pela morte do filho e lidava com uma longa dependência química. O vídeo viralizou e foi compartilhado pela própria cantora norte-americana, o que mobilizou uma rede de apoio e levou Solange ao tratamento contra o vício.
“Esse momento foi muito esperado, era um sonho de adolescência. E hoje posso afirmar que tudo que você puser em prática e correr atrás, você consegue. Agora é seguir de cabeça erguida, como sempre”, afirmou em entrevista ao g1.
Atualmente, ela trabalha como cuidadora de crianças e planeja o próximo passo: prestar o Enem e ingressar no curso de Psicologia. “Com fé, garra e coragem, vou daqui a cinco anos pegar meu segundo canudo”, diz.
O vídeo que mudou tudo
A cena que projetou Solange foi gravada em um bar na capital amazonense. Três meses antes, ela havia perdido o filho, Pedro Paulo, executado aos 24 anos. Em luto, pediu que colocassem uma música para dançar em homenagem a ele. Tocou Holiday, um clássico de Madonna.
A dança improvisada emocionou os presentes, foi filmada por frequentadores do bar e rapidamente viralizou. O vídeo chegou até a cantora, que compartilhou a gravação nas redes sociais com a seguinte legenda:
“Você está se sentindo sem esperança hoje? (…) Em dias como esses, nós só temos que aumentar a música e dançar.”
A repercussão internacional resultou em uma série de apoios. O projeto Parceiros Brilhantes, de Manaus, ofereceu tratamento e assistência. Solange foi acolhida por uma clínica em Araçoiaba da Serra, no interior de São Paulo, onde ficou oito meses em reabilitação. Também recebeu tratamento odontológico e apoio para reencontrar familiares com quem havia perdido contato há mais de 30 anos.
32 anos de dependência e um recomeço
Nascida em Fortaleza, no Ceará, Solange teve uma trajetória marcada pela vulnerabilidade social. Usuária de crack e outras drogas por mais de três décadas, ela chegou a atuar como “mula” do tráfico entre o Nordeste e o Norte do país.
“Infelizmente, fiz escolhas ruins. Teve gente da minha família que chorou minha morte”, lembra.
Em Manaus, vivia com o filho em um hotel simples, onde pagavam diárias junto com outras pessoas em situação parecida. Nunca chegaram a viver nas ruas, mas a precariedade era constante. Pedro Paulo, que também era usuário de drogas, foi assassinado em circunstâncias violentas.
Solange conta que não conseguiu sequer se despedir do filho. “Era como se eu permanecesse viva, mas sem coração. A dança foi a forma que encontrei de falar com ele. Era minha dor que eu queria transbordar”, disse. “Até então eu me culpava pela morte. Somos espelhos para os nossos filhos. Eles vão querer ser o que a gente é.”
Nova fase
Hoje, Maria Solange contabiliza com precisão os dias de sobriedade: “4 anos, 11 meses e 22 dias”, contou, orgulhosa. Empregada, está reconstruindo a vida e agora sonha com o ingresso no ensino superior.
Ela credita a transformação à fé e à força de vontade:
“Com humildade, honestidade, paciência e sabedoria espiritual para suportar as afrontas — que não são poucas — a vida flui. Com a permissão de Jeová Deus e os ensinamentos de Jesus, sigo firme.”
A conquista do diploma do ensino médio fecha um ciclo. O próximo já tem nome: Psicologia. A meta, segundo ela, é usar a própria história para ajudar outras pessoas em situação semelhante. “Quero transformar tudo o que vivi em algo útil. Meu passado me machucou, mas também me ensinou.”