O Brasil tem enfrentado uma explosão no número de estelionatos nos últimos anos. Em apenas seis anos, os registros desse tipo de crime cresceram mais de 400%, revelando um cenário alarmante de fraudes e golpes em diversas modalidades.
Cenas captadas por câmeras de segurança revelam um modus operandi recorrente. Um carro para na rua, geralmente aparentando ser um táxi, e o passageiro, muitas vezes distraído ou apressado, embarca. Ao final da corrida, o motorista – que na verdade é um golpista – informa que não aceita PIX e solicita o pagamento com cartão físico, desativando a opção de aproximação.
Nesse momento, a vítima insere o cartão e digita a senha, acreditando estar quitando a corrida normalmente. Após descer do veículo, tudo parece dentro da normalidade. No entanto, ao consultar o extrato bancário ou receber um alerta do banco, o passageiro descobre que teve a conta zerada. Isso ocorre porque a máquina utilizada pelo criminoso é adulterada para capturar a senha e clonar o cartão.
Esse foi o caso da aposentada Nunzia Caruso, que vive em São Paulo. Ela relatou a abordagem: “Ele falou: ‘Eu prefiro que a senhora me pague com o cartão’. Ele me deu a maquininha, eu digitei. Depois, ele ficou andando de um lado para o outro com a maquininha, dizendo que não havia sinal”, contou. A aposentada só percebeu o golpe ao constatar que o dinheiro havia sumido de sua conta.
Poucos minutos após o pagamento, Nunzia recebeu uma notificação de compra no valor de R$ 4.900. Ao tentar bloquear o cartão, veio a surpresa: ele estava registrado em nome de outra pessoa. “Ele trocou meu cartão, me deu de outra pessoa, e ficou com o meu”, contou, ainda abalada com a audácia do golpe.
Os criminosos utilizam artifícios sofisticados. Um botão disfarçado na maquininha permite simular uma falha na transação e, ao mesmo tempo, exibir a senha digitada. “Ele já tem a sua senha, os dados do banco e o cartão verdadeiro. Está tudo pronto para aplicar o golpe”, explicou o delegado André Figueiredo.
Durante a encenação de um problema de conexão ou de rede, o estelionatário aproveita para memorizar os dados da vítima. Em um instante de desatenção, faz a troca do cartão e sai com o original em mãos. Com isso, realiza compras de valores expressivos sem levantar suspeitas imediatas.
Segundo estimativas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o chamado “golpe da maquininha” causou um prejuízo de cerca de R$ 4,8 bilhões ao longo de um ano. Há registros de transações fraudulentas que chegam a R$ 17 mil.
Entre os atingidos por esse tipo de crime está o médico Thales Bretas, viúvo do humorista Paulo Gustavo. Ele e uma amiga embarcaram em um falso táxi no Rio de Janeiro e, próximo ao destino, foram surpreendidos por uma encenação do motorista. “Quando a gente estava chegando no restaurante, o taxista começou a falar: ‘O carro ferveu, desce do carro porque ele pode explodir.’ Era tudo uma encenação”, relatou.
O golpe aplicado pelo criminoso contou com o uso de uma maquininha sem visor, cuja tela era exibida no celular. “Ele ainda falou comigo: ‘Não aceita cartão por aproximação, tem que ser o cartão físico’”, relatou Thales Bretas. O médico só percebeu que havia sido vítima ao receber um SMS confirmando uma compra muito maior que o valor da corrida, totalizando um prejuízo de R$ 4.215.
A frequência desses golpes tem crescido significativamente. Conforme explicou David Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “se antes as organizações precisavam ir até um caixa eletrônico para sacar R$ 50 mil ou R$ 100 mil, hoje conseguem aplicar três ou quatro golpes num único dia, com muito menos risco de serem capturados e punidos”.
Apesar do aumento nos estelionatos, os registros de roubos caíram 51% no mesmo período. A tecnologia, que deveria facilitar a vida das pessoas, acabou sendo utilizada pelos criminosos para cometer crimes com maior eficiência.
Cursos online e sites especializados ensinam como explorar vulnerabilidades das maquininhas, segundo Marques: “Quando surge uma nova tecnologia, no mesmo dia ou no dia seguinte, sempre tem alguém estudando como tirar proveito dela”. No Rio de Janeiro, uma passageira atenta ajudou a prender Daniel de Souza Alves, suspeito de aplicar esse golpe. Após ver uma reportagem na TV, Thales Bretas reconheceu o criminoso: “Quando vi a foto, era o taxista que me enganou. A gente se sente bobo, né?”
Para evitar cair em golpes semelhantes, a polícia recomenda o uso de táxis por aplicativo, que já incluem o pagamento na corrida. Outra dica é optar por pontos oficiais, onde os motoristas são cadastrados. Além disso, sempre que possível, deve-se preferir o pagamento por Pix ou cartão por aproximação. “Se o taxista disser que não está conseguindo, a pessoa já deve ficar alerta”, orienta o delegado André Figueiredo.