O médico Thales de Oliveira Rios lembra que lidava com oleosidade da pele e acne desde a adolescência. Durante anos, tentou diversos tratamentos, mas sem resultados satisfatórios, além de se incomodar com as manchas deixadas pelas espinhas. A situação mudou após um convite especial de um colega dermatologista.
“Um belo dia, eu resolvi ir ao consultório dele, e a coisa mudou da água para o vinho. Com o tratamento voltado para o meu tipo de pele, os produtos adequados para clarear, o protetor solar certo, em três, quatro meses ficou tudo diferente. Melhorou bastante”, relata Thales.
Até então, ele não tinha noção de que os tratamentos precisavam considerar a característica de sua pele negra como ponto de partida.
“Eu lembro até hoje da primeira consulta, quando ele me mostrou umas imagens de um livro que ajudou a escrever, mostrando como certas lesões de pele se apresentam de forma diferente: numa pessoa branca, de um jeito; numa pessoa parda, de outro; e numa pessoa de pele preta retinta, totalmente diferente. A gente não vê isso na faculdade de medicina. Esse tema começou a entrar nas discussões acadêmicas há pouquíssimo tempo”, acrescenta Thales.
O dermatologista citado é Cauê Cedar, chefe do Ambulatório de Pele Negra do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Desde sua especialização, Cedar se dedica a estudar as demandas específicas das pessoas pretas e pardas, que representam a maior parte da população brasileira.
Segundo ele, os padrões acadêmicos não atendiam a essas necessidades. “Os materiais que educam os médicos são majoritariamente baseados em pessoas de pele clara. Muitos médicos, portanto, não recebem treinamento específico para identificar como as condições se apresentam na pele negra”.
Cedar ressalta ainda algumas particularidades da pele negra, como maior tendência a manchas e cicatrização hipertrófica (queloide), além de cuidados específicos com cabelos cacheados e crespos. “Tudo isso precisa ser treinado. Durante a residência, eu não tive um treinamento específico sobre essas questões. Precisava buscar por fora, mesmo sendo um tema de interesse meu”, afirma.
A indústria de produtos dermatológicos também demorou a reconhecer esse público. “Há muito tempo sabemos da necessidade de protetor solar, mas os produtos com cor não se adequavam às tonalidades da pele negra, e os sem cor deixavam a pele esbranquiçada ou acinzentada, reduzindo a adesão. Só recentemente a indústria começou a desenvolver produtos adaptados à diversidade da população”, exemplifica o especialista.
Avanços
Cauê Cedar e outros profissionais negros têm contribuído para consolidar a pauta da pele negra também no meio acadêmico. Em 2025, pela primeira vez, o Congresso da Sociedade Brasileira de Dermatologia, principal evento da especialidade, realizou uma atividade dedicada exclusivamente aos cuidados com a pele negra.
Além disso, a regional do Rio de Janeiro da Sociedade Brasileira de Dermatologia criou recentemente o Departamento de Pele Étnica, do qual Cauê Cedar é um dos coordenadores.
Para a presidente da regional, Regina Schechtman, “estava mais do que na hora”. Segundo ela, o departamento tem como objetivo ampliar o conhecimento dos profissionais e aprimorar o atendimento a pessoas de diversos grupos não-brancos, incluindo indígenas, orientais e negros.
Schechtman reforça que qualquer médico ou profissional de saúde deve incorporar esse conhecimento em sua prática. Ela explica que exames básicos, como a dermatoscopia, apresentam resultados diferentes conforme o tom de pele, e os médicos precisam saber interpretar essas variações.
A presidente também ressalta que problemas de pele podem afetar significativamente a autoestima dos pacientes e que o maior órgão do corpo humano também pode representar riscos sérios à saúde.
Ela alerta que muitas doenças de pele atingem a população negra, incluindo o câncer. Apesar de o risco ser maior entre pessoas de pele clara, isso não significa que a população negra esteja imune aos efeitos da radiação ultravioleta e que não precise se proteger adequadamente.