Embora o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) costume ser associado a jovens recém-saídos da escola, ele também representa uma importante chance para quem interrompeu os estudos no passado e decidiu recomeçar. Previsto para os dias 9 e 16 de novembro, o Enem tem sido a principal porta de entrada para o ensino superior de muitas pessoas que resgatam antigos sonhos.
Entre essas histórias de superação está a de Maria Goretti, de 65 anos, aluna do Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) Poeta Joaquim Cardoso, em Tejipió, Zona Oeste do Recife. Com o objetivo de cursar Medicina, sonho que nutre desde a infância, ela resolveu voltar à sala de aula. “Desde pequena via meus pais trabalhando no Hospital Otávio de Freitas e sempre admirei essa profissão. Não é por dinheiro, é por amor ao próximo”, conta.
Além das aulas regulares do ensino médio, Maria investiu em um cursinho preparatório voltado exclusivamente para o Enem. Para isso, tem destinado parte do que recebe do Bolsa Família, sua única fonte de renda, à mensalidade do curso. Ela revela que essa decisão foi inspirada por familiares que obtiveram boas notas no exame após se prepararem fora da escola.
Todas as noites, Maria pega o metrô em direção ao cursinho localizado próximo ao Shopping Boa Vista, no centro do Recife. Mesmo com as dificuldades da rotina, ela encara a preparação com determinação, acreditando que essa dedicação fará a diferença nos resultados da prova.
A presença de simulados e foco específico no Enem são, segundo Maria, os maiores diferenciais do cursinho. Eles ajudam a deixá-la mais familiarizada com o estilo da prova e a reforçar conteúdos importantes. A estudante afirma que esse reforço é essencial para que consiga realizar o sonho de ingressar no curso de Medicina, mesmo que tardiamente.
Motivos por não ter concluído o ensino médio na idade ideal
De acordo com Maria Goretti, um episódio ocorrido na infância foi determinante para a interrupção de sua trajetória escolar. Aos 8 anos, ela foi expulsa de uma escola pública após uma discussão com um irmão por parte de pai. O incidente gerou uma série de barreiras burocráticas que a impediram de conseguir uma nova matrícula na rede pública de ensino.
Sem conseguir vaga em outra escola pública, a mãe de Maria optou por matriculá-la em uma escola particular, mesmo com grandes dificuldades financeiras. “Minha mãe tirava do pouco que recebia para me manter estudando”, recorda. Diante da situação, a diretora da instituição privada, sensibilizada com a realidade da família, ofereceu uma bolsa de estudos que garantiu a continuidade da educação fundamental.
A impossibilidade de ingressar no ensino médio veio como consequência direta dessas dificuldades. A combinação entre os obstáculos burocráticos e a falta de recursos acabou empurrando Maria Goretti para o mercado de trabalho ainda muito jovem, fazendo com que o sonho de cursar Medicina fosse adiado indefinidamente.
Somente anos depois, por volta de 2005, ela conseguiu retomar parte desse caminho ao concluir o primeiro ano do ensino médio. No entanto, a jornada precisou ser pausada novamente. Agora, aos 65 anos, Maria está prestes a completar o terceiro ano na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), com a meta clara de prestar o Enem e dar mais um passo rumo à realização de seu antigo sonho.
Esse retorno aos estudos representa não apenas a retomada de um objetivo pessoal, mas também uma superação de décadas de obstáculos sociais e econômicos. Para Maria Goretti, a persistência é o fio condutor da sua história e o combustível para continuar acreditando que nunca é tarde para recomeçar.
Preparação nessa reta final do Enem
Para alcançar o tão sonhado ingresso no curso de Medicina, Maria Goretti sabe que precisa passar pelo Enem 2025 — e, para isso, tem se dedicado aos estudos desde o início do ano. Agora, na reta final, ela concentra seus esforços na revisão dos conteúdos já vistos, priorizando a consolidação do que aprendeu.
“Chegando nesse ponto do ano, eu decidi não me desesperar com assunto novo. Estou apenas revisando tudo que vi ao longo dos meses e, além disso, focando nas principais reportagens e acontecimentos de 2025. Anotei todos os temas, porque podem aparecer na prova”, contou a estudante.
Mesmo com toda dedicação, Maria mantém os pés no chão e já se prepara emocionalmente caso o resultado não seja o esperado. Segundo ela, se não conquistar a vaga este ano, vai continuar estudando e tentando novamente no ano seguinte, com mais tempo e preparação.
A persistência é uma marca da trajetória de Maria Goretti, que não pretende desistir diante de um eventual revés. “Se eu não passar dessa vez, vou tentar o próximo ano com mais tempo”, garantiu, mantendo a confiança no próprio esforço e na possibilidade de realização.
“Tenho esse sonho e, se Deus me permitir, vou alcançá-lo. Como falei uma vez no cursinho: barreiras existem, mas foram feitas para serem vencidas”, concluiu, com a determinação de quem transformou obstáculos em combustível para seguir em frente.
