Quase extintos. Em 1999, havia mais de 1,3 milhão de jumentos no Brasil. Hoje, restam cerca de 78 mil. A queda de 94% em três décadas acende um alerta sobre o futuro da espécie no país — e mobiliza cientistas, ativistas e legisladores na tentativa de barrar uma cadeia global que lucra com o abate desses animais.
A estatística é chocante: de cada 100 jumentos que existiam no Brasil há trinta anos, apenas 6 continuam vivos. O rebanho, que já foi parte essencial da vida no semiárido nordestino, está desaparecendo. O principal motivo? A exportação da pele para a produção de ejiao, suplemento de colágeno muito valorizado na Ásia, especialmente na China.
Entre 2018 e 2024, mais de 248 mil jumentos foram abatidos no país, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A Bahia concentra os três frigoríficos autorizados a realizar esse tipo de abate com aval do Serviço de Inspeção Federal (SIF). Já os compradores estão do outro lado do mundo.
Para frear o que muitos já chamam de genocídio animal, especialistas de diversos países se reúnem em Maceió entre os dias 26 e 28 de junho, durante o 3º Workshop Internacional “Jumentos do Brasil: Futuro Sustentável”, promovido pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) com apoio da ONG britânica The Donkey Sanctuary. O evento marca o lançamento da campanha global Stop The Slaughter (“Parem o Abate”) e do relatório internacional Stolen Donkeys, Stolen Futures.
“O jumento nordestino possui um perfil genético único, adaptado ao semiárido brasileiro. Sua extinção seria uma perda irreparável para nossa biodiversidade e para as comunidades rurais que dependem dele”, afirma Patricia Tatemoto, coordenadora da campanha no Brasil e pós-doutora em medicina veterinária pela USP.
Para ela, a queda no uso desses animais no trabalho rural não justifica o extermínio. “Há três caminhos sustentáveis: viverem livres na natureza, seguirem como apoio à agricultura familiar ou serem valorizados como animais de companhia.”
As soluções passam também pela ciência. O agrônomo e economista Roberto Arruda, doutor pela USP, defende que o Brasil invista em tecnologias capazes de substituir produtos de origem animal. “Já existem soluções viáveis, como a fermentação de precisão, que permite produzir colágeno em laboratório. É uma oportunidade para o Brasil liderar um modelo mais sustentável e ético”, afirma.
Em resposta à pressão internacional, a União Africana aprovou em 2023 uma moratória contra o abate de jumentos para exportação. Quênia, Nigéria e Tanzânia já adotaram a medida — e a tendência é de que ela se estenda a todo o continente africano.
No Brasil, dois projetos de lei avançam com o objetivo de proibir o abate: o PL n° 2.387/2022, em tramitação no Congresso Nacional, e o PL n° 24.465/2022, na Assembleia Legislativa da Bahia. Ambos já foram aprovados nas comissões de Constituição e Justiça.
“O Brasil não pode continuar sendo o elo mais fraco de uma cadeia internacional que se sustenta sobre a morte de um animal fundamental para comunidades vulneráveis. Precisamos alinhar nossa legislação às boas práticas do Sul Global”, defende Pierre Barnabé Escodro, professor da UFAL.
Com a espécie à beira da extinção e uma indústria global em expansão, o debate vai além da defesa dos animais: é também uma questão de soberania, justiça social e responsabilidade ambiental.