Os rachas internos no clã Bolsonaro tornaram-se mais evidentes após a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, que completa 10 dias em uma cela da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília. A condenação a mais de 27 anos de prisão pela trama golpista tira o líder da família do jogo eleitoral, enquanto a esposa, Michelle Bolsonaro, e os quatro filhos mais velhos entram em disputa pelo espólio político da família.
A tensão familiar ficou pública no último fim de semana, quando Michelle Bolsonaro criticou a aproximação do diretório do Partido Liberal no Ceará com Ciro Gomes (PSDB), durante um evento partidário em Fortaleza.
Durante o discurso, a ex-primeira-dama repreendeu os aliados locais, afirmando que não poderia haver aliança com um político que, segundo ela, é contra o maior líder da direita e faz críticas à família Bolsonaro.
O anúncio feito pelo deputado federal André Fernandes (PL-CE), presidente da sigla no estado, havia declarado anteriormente que Jair Bolsonaro havia dado aval ao apoio do PL à candidatura de Ciro Gomes ao governo do Ceará, expondo um conflito interno entre a ex-primeira-dama e o diretório estadual do partido.
A repercussão do episódio foi ainda mais intensa entre os filhos do ex-presidente. Flávio Bolsonaro afirmou que a fala de Michelle foi “autoritária e constrangedora”, ressaltando que o movimento havia sido autorizado pelo pai e tinha caráter estratégico para reduzir a força local de Lula.
Em defesa do irmão, Carlos, Eduardo e Jair Renan Bolsonaro reforçaram que Michelle teria “atropelado” Jair Bolsonaro e que a liderança do ex-presidente deveria ser respeitada. Carlos e Jair Renan republicaram postagens alinhadas com Flávio, enquanto Eduardo defendeu publicamente André Fernandes e o acordo definido pelo pai.
Até o momento, Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, não se pronunciou sobre a situação envolvendo os membros do partido e da família Bolsonaro.
Rachaduras internas no clã Bolsonaro
O episódio revela a maior fissura pública já registrada dentro do bolsonarismo desde 2018. A divergência aberta entre Michelle, Flávio, Carlos e Eduardo ocorre em um momento de fragilidade inédita, com Jair Bolsonaro preso em regime fechado na Superintendência da Polícia Federal e impossibilitado de arbitrar os conflitos internos.
Até então, os desentendimentos públicos de Michelle dentro do clã tinham Carlos Bolsonaro como principal protagonista, com episódios de atrito acumulados desde 2022.
Carlos, responsável pela comunicação digital da campanha do pai nas eleições de 2022 — função que já desempenhara em 2018 —, demonstrou insatisfação com o espaço crescente dado pelo PL à então primeira-dama. A tensão se tornou pública quando o vereador deixou de seguir Michelle no Instagram de Jair Bolsonaro, atitude que ela retribuiu com o mesmo unfollow.
Em março deste ano, Michelle afirmou ter “perdoado” o filho do ex-presidente por desentendimentos passados, mas reforçou que prefere “manter distância” e que é “obrigada a conviver” com ele.
Duas semanas antes, Jair Bolsonaro comentou que a esposa não falava com o filho e sugeriu que a questão poderia ser “algum problema de ciúme”.
Em julho do ano passado, outro episódio evidenciou o mal-estar entre Carlos e Michelle, quando o vereador criticou Jair Bolsonaro por posar para uma foto ao lado de Michelle e da filha do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). Carlos comentou na postagem: “Legal o cara fazer isso com sua filha e com a minha não! De qualquer forma, parabéns sempre, grande Nikolas”, atribuindo à madrasta o distanciamento entre Bolsonaro e sua neta, Júlia.
A reação de Flávio, Eduardo e Jair Renan — ao contradizer publicamente Michelle e defender a articulação política autorizada pelo pai — indica uma mudança de cenário. Pela primeira vez, os quatro filhos homens se alinham contra a madrasta em um confronto público dentro da família.
Quem será Bolsonaro 2.0 em 2026?
Nos bastidores da direita, a disputa por quem ocupará o lugar deixado por Jair Bolsonaro em 2026 já começou. Sem um líder absoluto capaz de unificar as diferentes alas bolsonaristas e sem uma orientação clara — que aliados dizem aguardar —, o campo conservador enfrenta um vácuo de comando.
Michelle Bolsonaro, por sua vez, busca se projetar como herdeira natural do capital político do marido. Com forte apelo entre mulheres, evangélicos e nas redes sociais, ela é vista como a figura mais capaz de manter viva a marca “Bolsonaro”. Pesquisas de intenção de voto indicam que a ex-primeira-dama desponta como uma das principais adversárias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dentro do clã, Eduardo Bolsonaro já sinalizou interesse em ser candidato à presidência em 2026. No entanto, seu nome sofreu desgaste por uma série de polêmicas — incluindo o tarifaço dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros — e por investigações judiciais que podem inviabilizar sua candidatura. As pesquisas também mostram baixa intenção de voto e alta rejeição ao filho 03.
Além do embate com Michelle, Eduardo critica abertamente Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e um dos nomes mais cotados para a disputa presidencial de 2026. Em sua última manifestação nas redes sociais, Eduardo afirmou que apoiaria Tarcísio em uma eleição contra Lula, mas insinuou que o governador tira “proveito da tortura feita contra meu pai”, descrevendo-o como “o candidato que o sistema quer”.
Enquanto isso, a gestão de Tarcísio é vista como eficiente e moderada, atributos que atraem setores da direita interessados em se distanciar das crises e investigações que atingem a família Bolsonaro. Apesar disso, o governador teme romper abertamente com o bolsonarismo, o que poderia comprometer sua base mais fiel. Antes disciplinado em torno de um único nome, o campo da direita agora vive uma corrida silenciosa para definir quem preencherá o espaço deixado pelo líder preso — tarefa ainda sem solução.

