Uma decisão liminar do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), reacendeu o debate sobre os critérios utilizados na investigação social de concursos públicos. O magistrado determinou a reintegração de Lays Lopes Carneiro Barcelos, 32 anos, ao concurso para delegada da Polícia Civil de Santa Catarina. A candidata havia sido desclassificada por ser casada com um homem condenado por tráfico de drogas.
A medida, proferida no fim de outubro, gerou desconforto dentro da corporação catarinense e tocou em pontos sensíveis da legislação: a presunção de inocência e a individualização da pena, contrapostas à exigência de idoneidade para carreiras policiais.
Lays Barcelos avançou por todas as fases técnicas do concurso — provas escritas, teste físico, avaliação psicológica e análise de títulos — e foi barrada apenas na etapa de investigação social. Para a comissão avaliadora, o vínculo conjugal com alguém condenado por tráfico seria incompatível com a conduta exigida para o exercício do cargo.
A candidata contestou a eliminação e sustentou que não poderia sofrer consequências por atos praticados antes do relacionamento. Segundo destacou a defesa, citada pelo portal O Globo, o marido teve a pena prescrita, possui trabalho formal há anos e a própria Lays comunicou espontaneamente o histórico criminal dele à banca, o que demonstraria transparência.
Mesmo assim, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a desclassificação por considerar que a decisão estava alinhada ao edital.
O entendimento mudou ao chegar ao STF. Conforme publicado pelo portal Contra Fatos, Dino avaliou que a tese da candidata é “plausível” e que sua exclusão pode ferir “os princípios da presunção de inocência, da individualização da pena e da intranscendência da sanção penal”. Para o ministro, restringir a vida profissional da candidata por ações praticadas por outra pessoa violaria garantias fundamentais.
“A exclusão da candidata do certame, na fase de investigação social, sob o fundamento de inabilitação, pode ocasionar dano grave e de difícil reparação”, afirmou Dino, ao destacar o risco de “frustração de legítima expectativa decorrente de anos de preparação e estudo dedicados à seleção”.
A liminar ainda não resolve o mérito da ação, mas permite que Lays continue no concurso enquanto o processo segue no Supremo. O ministro solicitou documentos adicionais, como certidões criminais e registros de trabalho do marido nos últimos dez anos.
A decisão, no entanto, gerou forte reação. O delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, criticou publicamente a liminar: “TJ SC confirmou a decisão! Hoje, o Ministro Flávio Dino fez a reintegração da candidata ao concurso. Com respeito, mas como se combate o crime dessa forma? Ela fez sua opção”, declarou nas redes sociais.
A manifestação evidencia a visão de setores da segurança pública que defendem critérios mais restritivos não apenas para o comportamento individual do candidato, mas também para suas relações pessoais. Já a intervenção do STF reforça a necessidade de diferenciar a conduta do postulante da de terceiros, especialmente quando não há indícios de participação ou conivência.
O caso, que segue em análise definitiva pelo Supremo, deve influenciar futuras discussões sobre os limites e a legalidade da investigação social em concursos de carreiras policiais.

