Uma das associações investigadas no esquema bilionário de fraudes contra aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) atribuiu a validação biométrica de novos filiados a empresas como Uber, Serasa, Sicoob e Caixa, que não tinham contrato com a entidade. A suspeita é que as empresas também sejam vítimas dos golpistas.
A informação consta do relatório de investigação da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre a Associação de Assistência Social à Pensionistas e Aposentados (AASPA). Os documentos de acesso restrito foram encaminhados à CPMI do INSS, instalada há dois meses para investigar o escândalo dos descontos indevidos.
A série de reportagens do Metrópoles, publicada a partir de dezembro de 2023, também baseou as investigações da Polícia Federal (PF) que culminaram na demissão do ex-ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), e do ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
A AASPA é presidida pelo ex-gerente do banco BMG Anderson Ladeira Viana. As assinaturas de novos filiados da entidade foram feitas por meio da Dataqualify, que também pertence a Viana. A associação, porém, contratou uma outra empresa de tecnologia, a Deltafox, para validar biometrias dos aposentados que ela filiaria para descontar mensalidade associativa direto da folha de pagamento do benefício.
Filiações suspeitas
Em uma amostragem de 3,7 mil CPFs consultados junto ao Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a CGU identificou, entre junho de 2024 e janeiro de 2025, 103 tentativas de inclusão de novos filiados à Aaspa. Desses, apenas 12 passaram por validação e não foram feitas pela Deltafox.
“Constatou-se que, mesmo nesses 12 casos, as validações não foram realizadas pela empresa DeltaFox, supostamente contratada pela AASPA para executar esse procedimento. Os acessos foram, na verdade, atribuídos a terceiros sem qualquer vínculo contratual ou institucional com a associação, tais como Uber do Brasil Tecnologia Ltda., Banco Cooperativo Sicoob S.A., Serasa S.A. e Caixa Econômica Federal”, escreveu a CGU.
Para o órgão, a constatação evidencia o descumprimento de requisitos técnicos obrigatórios para a “verificação de vivacidade”, instrumento considerado “indispensável para garantir a presença física e consciente do beneficiário no ato da adesão”.
Em nota, a Uber afirmou que “não fornece serviço de validação biométrica a terceiros e não localizou relação contratual” com a AASPA e com a Deltafox, mas que possui contrato com o Serpro para uso exclusivo na própria plataforma.
“A Uber possui contrato com o Serpro desde 2019 para utilização do Datavalid em consultas que visam exclusivamente a validação de identidade para acesso à sua própria plataforma”, disse a empresa, por meio de nota.
A Caixa Econômica Federal afirmou que não é parte do processo e não irá comentar porque não obteve acesso à íntegra do documento da CGU. A Serasa Experian disse que “não possui relação com as empresas citadas na reportagem e permanece à disposição das autoridades competentes e de seus parceiros institucionais para quaisquer esclarecimentos”.
O Sicoob foi procurado, mas não respondeu à reportagem. A reportagem também procurou Anderson Viana, o dono da AASPA e da Dataqualify, que não se pronunciou.
AASPA faturou R$ 6 milhões
- No início de 2024, a AASPA teve o acordo com o INSS assinado pelo ex-diretor de Benefícios do órgão, André Fidélis, para poder descontar mensalidade da folha de pagamento das aposentadorias.
- A entidade faturou R$ 6 milhões com descontos de mensalidade e teve seu acordo suspenso após a Operação Sem Desconto, deflagrada pela PF em abril deste ano.
- A associação é comandada por Anderson Viana. Entre junho de 2023 e abril de 2024, ele enviou R$ 1 milhão à Brasília Consultoria, empresa de Antonio Carlos Camilo Antunes, lobista conhecido como Careca do INSS.
- Um associado da AASPA é considerado um caso “paradigmático” pela CGU. Trata-se de um aposentado do Piauí cadastrado com equívoco na grafia em duas entidades. A AASPA, de Minas Gerais, e a AAPEN, do Ceará, cadastraram “Raimundo Ribeiro AAlencar”, com a duplicação da primeira letra no sobrenome.
“Autobenefício e desvio de finalidade”
Segundo a CGU, a AASPA ocorreu em “autobenefício e desvio de finalidade” ao contratar a empresa do presidente da entidade para prestar serviços de informática. O ato viola o Acordo de Cooperçaão Técnica (ACT) firmado pela entidade com o INSS.
“A operação constitui uma forma indireta de transferência de vantagem econômica ao próprio dirigente da entidade, o que afronta diretamente o compromisso firmado no ACT, configurando possível violação à vedação de distribuição de vantagens a membros da administração”, disse o parecer da CGU.
O caso é semelhante a outras associações envolvidas nas fraudes do INSS. As entidades Amar Brasil, Master Prev e a Associação de Amparo Social ao Aposentado e Pensionista (AASAP) têm vínculo estatutário com o empresário Igor Dias Delecrode, dono da “Soluções PowerBI”, contratada para atender essas entidades. A empresa de TI é suspeita de ter sido usada para fraudar a assinatura de associados.
Fonte: Metrópoles