O currículo da desembargadora Marianna Fux, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), chama atenção por destoar de outros magistrados da Corte. Sua produção científica e bibliográfica está fortemente ancorada nos feitos do pai, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Entre os destaques estão a revisão de dois livros dele, um artigo em homenagem aos seus estudos e a participação em um curso vinculado ao nome do ministro.
Atualmente, Marianna ocupa a cadeira 19 da Academia Carioca de Direito (ACD), entidade fundada em agosto de 2022 pelo ex-senador Bernardo Cabral. À instituição, ela declarou ter escrito a crônica “As Mães de Santa Maria”, sobre o incêndio na Boate Kiss, publicada em veículos de imprensa em 2013. A ACD apresenta hoje o currículo mais atualizado da magistrada.
No entanto, o currículo acadêmico de Marianna no sistema Lattes está desatualizado desde 2014. Lá, constam apenas a graduação em Direito pela Universidade Cândido Mendes (concluída em 2002) e um doutorado iniciado na Universidade Autónoma de Lisboa. O LinkedIn da desembargadora registra sua atuação como sócia no tradicional escritório Sérgio Bermudes entre 2003 e 2016, quando deixou o cargo para assumir o posto de desembargadora.
Sua nomeação ao TJRJ ocorreu em meio a polêmicas. Para disputar a vaga destinada a membros da advocacia, era exigida a comprovação de dez anos de atividade jurídica, com documentos que atestassem a prática profissional anual. Em vez disso, Marianna apresentou apenas uma carta assinada por Sérgio Bermudes — amigo pessoal de Luiz Fux — atestando sua atuação no escritório como consultora e assessora.
Nos bastidores, a atuação de Fux-pai foi intensa. Segundo reportagem da revista Piauí, o ministro mobilizou contatos desde 2013, organizando reuniões, ligações e até incluindo a nomeação da filha em festas sociais. O esforço resultou em 50 votos — recorde na época — na lista sêxtupla da OAB, colocando Marianna em segundo lugar. Pouco depois, o então governador Luiz Fernando Pezão a nomeou oficialmente desembargadora do TJRJ.
A influência do ministro Luiz Fux no meio jurídico se estende além da filha, Marianna Fux. Seu outro filho, Rodrigo Fux, também segue carreira na área, atuando como advogado e professor de Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Assim como o pai, Rodrigo fez mestrado e doutorado na mesma instituição, ambos com orientação do ministro. Além disso, fundou o escritório Fux Advogados, que representa clientes em processos de grande repercussão, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A notoriedade do sobrenome Fux cresceu ainda mais após a votação ocorrida na última quarta-feira (10/9), quando Luiz Fux, em decisão isolada, votou pela absolvição de Jair Bolsonaro de todas as acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado. Seu extenso voto, com 429 páginas, foi lido em mais de 12 horas de sessão no Supremo Tribunal Federal (STF).
A decisão favorável de Fux não beneficiou apenas Bolsonaro. Também foram contemplados pelo voto o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, os ex-ministros Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Augusto Heleno (GSI), Anderson Torres (Justiça) e o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin. Apesar disso, o ministro acabou isolado na 1ª Turma do STF, que decidiu pela condenação de Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão.
Acompanhando o relator Alexandre de Moraes, os ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin formaram maioria na turma, argumentando que os atos de 8 de janeiro foram uma clara tentativa de ruptura institucional. Cármen Lúcia, por exemplo, afirmou que o episódio “não foi um acontecimento banal”, destacando a gravidade dos crimes cometidos.
Fux, no entanto, fez distinções em seu voto. Condenou Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e o general Walter Braga Netto, por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, mas os isentou de outros quatro crimes. Para ele, não ficou configurada a existência de uma organização criminosa armada.
O ministro também argumentou que bravatas ou críticas de agentes políticos aos Poderes, por mais reprováveis que sejam, não configuram crimes contra o Estado Democrático. Segundo ele, “não constitui crime a manifestação crítica aos Poderes constitucionais”, afastando a possibilidade de punir declarações retóricas como se fossem atos golpistas.
Por fim, Fux ainda defendeu que o processo contra Bolsonaro deveria ter sido julgado na primeira instância, alegando a ausência de foro privilegiado. Essa posição, no entanto, contrasta com votos anteriores do próprio ministro em outros casos envolvendo os atos de 8 de janeiro, onde aceitou a tramitação no STF. Ele também sugeriu que, caso o processo continuasse na Corte, deveria ser julgado pelo plenário e não por uma das turmas.
A divergência de Fux
A postura do ministro Luiz Fux durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) despertou entusiasmo entre os aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Seu voto divergente dos demais ministros da 1ª Turma contrastou com o posicionamento do relator Alexandre de Moraes, que foi acompanhado por Flávio Dino. Ambos acolheram integralmente a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), votando pela condenação de todos os réus classificados como parte do núcleo 1 da suposta trama golpista.
Durante a leitura do voto, Moraes deixou claro que não havia dúvidas quanto à ocorrência de uma tentativa de golpe. Segundo ele, o que estava em julgamento era a autoria dos crimes, e não sua existência. “Esse julgamento não discute se houve ou não tentativa de golpe, se houve ou não tentativa de abolição ao Estado de Direito. O que se discute é a autoria”, pontuou Moraes, reforçando a linha de entendimento firmada em condenações anteriores.
A análise da 1ª Turma envolveu cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Vale destacar que os dois últimos não foram atribuídos ao deputado federal Alexandre Ramagem.
Moraes também apontou Bolsonaro como o principal responsável por articular e dar continuidade a uma estratégia golpista. De acordo com o relator, o ex-presidente utilizou seu cargo para deslegitimar o processo eleitoral e enfraquecer o Judiciário. “O réu Jair Bolsonaro deu sequência a essa estratégia golpista estruturada pela organização criminosa, sob sua liderança, para já colocar em dúvida o resultado das futuras eleições”, afirmou, argumentando que o objetivo era manter o grupo político no poder a qualquer custo.
Confira a lista dos demais réus:
- Alexandre Ramagem: deputado federal e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A PGR o acusou de disseminar notícias falsas sobre fraude nas eleições;
- Almir Garnier Santos: ex-comandante da Marinha. O almirante teria apoiado a tentativa de golpe em reunião com os outros chefes das Forças Armadas, na qual o então ministro da Defesa apresentou minuta de decreto golpista. Segundo a PGR, também teria deixado as tropas da Marinha à disposição do plano;
- Anderson Torres: ex-ministro da Justiça. O ex-delegado é acusado de assessorar Bolsonaro na execução do plano golpista. Um dos indícios é a minuta do golpe encontrada na casa dele em janeiro de 2023.
- Augusto Heleno: ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O general da reserva participou de uma live que, de acordo com a denúncia, divulgava notícias falsas sobre o sistema eleitoral. A PF também localizou uma agenda com anotações sobre o planejamento para descredibilizar as urnas eletrônicas.
- Mauro Cid: ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator da trama golpista. A PGR alega que o tenente-coronel participou de reuniões sobre o golpe e trocou mensagens sobre o planejamento da ação;
- Paulo Sérgio Nogueira: ex-ministro da Defesa. O general teria apresentado aos comandantes militares um decreto de estado de defesa escrito por Bolsonaro, com a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” e buscava anular o resultado das urnas.
- Walter Braga Netto: ex-ministro da Casa Civil e da Defesa. O general da reserva, detido desde dezembro por suspeita de obstruir as investigações, teria entregado dinheiro em uma sacola de vinho para financiar acampamentos e ações que incluíam um plano para matar Moraes.
“A tentativa consuma o crime. Todos esses atos executórios, desde junho de 2021, até este momento, e prosseguindo até 8/1 2023, foram atos que consumaram golpe de estado. Não consumaram o golpe, mas não há necessidade de consumar o golpe”, disse Moraes ao proferir o voto na última terça-feira (9).