Durante dois meses, Cristiane Duarte da Silva e Vitória Duarte Machado dividiram confidências, rotinas e esperanças em um abrigo para pessoas em situação de rua em Campinas (SP). Construíram uma amizade verdadeira, forjada na partilha das dores e dos pequenos gestos de cuidado do dia a dia. O que nenhuma das duas imaginava é que essa conexão tinha raízes muito mais profundas: elas são mãe e filha.
O reencontro aconteceu de forma improvável. Cristiane, de 41 anos, participou da formatura de cursos profissionalizantes oferecidos pelo Instituto Há Esperança, a ONG responsável pelo abrigo. A cerimônia foi mostrada em reportagem da EPTV, afiliada da TV Globo. Quem assistia de longe, pela televisão, era o tio de Vitória — e ele reconheceu imediatamente o rosto familiar.
“O meu tio falou que viu ela na TV. Aí mandou foto, vídeo, e mandou eu procurar ela por aqui, falou que ela estava aqui. Aí eu falei: ‘Ela está no mesmo lugar que eu’, e fui procurar”, contou Vitória, de 21 anos.
Ela tirou uma foto de Cristiane, mostrou ao tio, e veio a confirmação: a mulher com quem conversava todos os dias era, na verdade, sua mãe.
“Achei minha mãe!”
O reencontro foi tomado por emoção. Vitória lembra de sair correndo e gritando pelo abrigo: “Achei, achei, achei!” Um dos acolhidos perguntou o que ela havia encontrado. A resposta veio entre lágrimas e alívio: “Achei minha mãe!”
Cristiane também já havia desconfiado que havia algo especial entre as duas. Notou uma cicatriz na boca de Vitória, igual à da filha que perdera de vista, e ficou surpresa ao ouvir que o nome da mãe da jovem era exatamente o seu.
“Eu fui pegar a fichinha do café da manhã e ela falou pra mim, com RG na mão: ‘Você sabia que a minha mãe tem o mesmo nome que o seu?’ Aí, quando eu fiquei sabendo que eu era mãe dela, pra mim foi um choque… de saber que eu conversava com a minha própria filha”, relatou Cristiane.
Silêncio, busca e sobrevivência
A separação das duas foi marcada por violência doméstica, rupturas familiares e ausência de respostas. Cristiane conta que foi morar nas ruas ainda jovem, após uma tentativa de abuso sofrida dentro de casa. Durante anos, procurou pela filha — sem sucesso.
“[Em] um local onde eles moravam, a família deles disse que eles não moravam mais lá, eles tinham ido embora. Eu procurava, mandava carta pra ela, e eu nunca recebia a resposta das cartas”, lembra.
Mesmo sem notícias, Cristiane seguia pensando na filha todas as noites: “Você não sabe se comeu, se tá bem, se quem tá tomando conta tá judiando, sabe?”
Enquanto isso, Vitória crescia longe da mãe, até que o destino — ou o acaso — as colocou no mesmo lugar, no mesmo tempo.
Esperança para o futuro
Roberta Dantas, coordenadora do abrigo, disse que nunca havia presenciado uma história como essa em seus anos de atuação. “Foram mais de 170 pessoas no refeitório paralisadas, emocionadas. Trabalhamos há anos com população em situação de rua, e essa história nos marcou profundamente.”
Cristiane, agora formada em confeitaria, informática e elétrica, sonha com trabalho e um novo começo: “É um cantinho pra gente ficar, porque na rua não dá pra criar uma família.”
Ela ainda guarda esperança de reencontrar os outros dois filhos: Fernanda e Juliano. “Eu falava pra Deus: ‘Antes de eu morrer, eu tenho que ver meus filhos’, porque senão eu não vou sossegar.”
O reencontro com Vitória reacende esse sonho — e mostra que, mesmo em meio à exclusão, sempre pode haver um recomeço.