Uma nova decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está mudando de vez o cenário do direito de família no Brasil. A Corte estabeleceu, por meio de uma liminar, que qualquer um dos cônjuges pode pedir o divórcio de forma unilateral — ou seja, sem precisar da autorização ou até da presença do outro parceiro.
Na prática, a medida consolida algo que já vinha sendo aplicado pontualmente por juízes em decisões isoladas, mas que agora ganha status de jurisprudência vinculante. Isso significa que a regra passa a valer de forma padronizada para todos os tribunais do país, tornando o processo de separação mais direto e menos dependente da burocracia judicial.
“Assim, a dissolução do casamento passou a depender, unicamente, da válida manifestação da vontade de um dos cônjuges de não mais permanecer casado, sem ter que cumprir qualquer requisito temporal e, principalmente, sem se vincular à vontade da contraparte.”
— Recurso Especial Nº 2189143 – SP (2024/0355419-7), Superior Tribunal de Justiça
Fim do casamento agora depende só de uma das partes
Segundo especialistas, essa uniformização traz segurança jurídica e evita que o fim de um relacionamento fique à mercê da outra parte — o que, muitas vezes, gerava impasses prolongados. O advogado Breno Magalhães de Oliveira, da OAB-ES, vê a medida como um avanço civilizatório.
“É uma segurança jurídica. Nos possibilita dizer ao cliente: você pode se divorciar mesmo que o cônjuge desapareça ou se recuse a participar do processo. O casamento é uma escolha, e o Estado não pode obrigar ninguém a permanecer casado contra a própria vontade.”
Procedimento se torna mais ágil e menos burocrático
Com a decisão do STJ, o juiz está autorizado a decretar o divórcio liminarmente, ou seja, logo no início do processo. Os demais temas – como guarda de filhos, pensão e partilha de bens – podem ser tratados posteriormente em audiência. Para o advogado Flávio Fabiano, a mudança é mais uma formalização de uma prática já recorrente.
“A novidade está em tornar essa possibilidade uma regra. O juiz decreta o divórcio de imediato e marca audiência para discutir os demais pontos. Antes, havia juízes que ainda esperavam a manifestação da outra parte. Agora, não há mais essa necessidade.”
Ainda assim, os especialistas alertam que a facilidade não deve ser interpretada como um incentivo ao divórcio impulsivo. “Casar continua sendo uma decisão séria, que envolve filhos, patrimônio e projetos de vida. A nova regra facilita o trâmite, mas não substitui a responsabilidade da escolha”, afirma Fabiano.
Herança também pode mudar com reforma do Código Civil
A autonomia nas relações conjugais também está sendo discutida em outra frente: a reforma do Código Civil que tramita no Senado. Um dos pontos mais debatidos é a possível retirada dos cônjuges da lista de herdeiros necessários — um direito que hoje é automático e obrigatório.
Se o novo texto for aprovado, apenas pais e filhos continuarão sendo herdeiros obrigatórios. O cônjuge só terá direito à herança se houver testamento que determine isso. Segundo Breno Magalhães, a mudança fortalece o princípio da autonomia de vontade.
“A proposta é interessante porque resgata o valor do afeto e da escolha consciente. Quem quiser deixar bens para o parceiro ainda pode fazer isso por testamento. Mas a herança deixará de ser um direito automático e passará a refletir também a realidade das relações.”