Caso de Geraldo Vaz Junior é considerado extremamente raro por especialistas
O paulista Geraldo Vaz Junior, de 58 anos, vive uma situação incomum na medicina brasileira. Em março de 2023, ele recebeu um fígado transplantado que continha células cancerígenas. Meses após a cirurgia, o paciente descobriu que estava com adenocarcinoma, um tipo de tumor maligno, no órgão recebido. Mais recentemente, exames apontaram metástase do mesmo câncer no pulmão.
Desde então, Geraldo e a esposa, Márcia Helena Vaz, têm buscado explicações e cobrado providências sobre o caso. O casal iniciou uma campanha nas redes sociais e pelas ruas de São Paulo para exigir investigações.
“Não cabe, nesse caso, um silêncio institucional. Isso dá margem para que o erro continue acontecendo”, desabafou Márcia.
O Sistema Nacional de Transplantes (SNT), coordenado pelo Ministério da Saúde, é o responsável por regulamentar e fiscalizar todas as doações e transplantes de órgãos no país.
Da cirrose ao transplante
Geraldo enfrentava problemas hepáticos desde 2010, quando foi diagnosticado com cirrose causada pelo vírus da hepatite C. A gravidade da doença o levou à fila nacional de transplantes.
O transplante ocorreu em 8 de julho de 2023, no Hospital Albert Einstein, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional (Proadi-SUS).
Descoberta do câncer
Sete meses após o procedimento, Geraldo apresentou alterações hepáticas e foi submetido a uma ressonância magnética. O exame revelou seis nódulos no fígado transplantado. Após biópsia, foi confirmado o diagnóstico de adenocarcinoma.
Em março de 2024, um exame de DNA comparou o material genético do paciente com o das células tumorais. O resultado mostrou que as células cancerígenas não pertenciam a Geraldo, mas sim à doadora do órgão.
A médica e perita Caroline Daitx explicou que o laudo é conclusivo:
“O DNA das células do tumor corresponde ao da doadora, não ao do receptor. Além disso, as células apresentavam cromossomos femininos (XX), enquanto Geraldo tem cromossomos masculinos (XY). É como se o tumor ‘assinasse’ que veio de outra pessoa.”
Retransplante e metástase
Com o diagnóstico, Geraldo foi submetido a um retransplante de fígado em maio de 2024, procedimento descrito em laudo médico como “por adenocarcinoma advindo do doador”.
No entanto, em agosto de 2024, exames apontaram metástase no pulmão, com as mesmas características do tumor presente no fígado anterior.
Segundo a médica Caroline Daitx, isso sugere que a doadora possuía um câncer não detectado antes da doação, e células malignas teriam sido transferidas junto com o órgão.
Casos assim são raríssimos
Estudos internacionais apontam que a transmissão de câncer por transplante de órgãos é extremamente rara, com incidência inferior a 0,03%.
“É um risco inerente ao transplante, mas deve ser sempre discutido com o paciente. O consentimento informado precisa deixar claro que, embora improvável, há possibilidade de transmissão de doenças do doador, inclusive malignidades ocultas”, reforçou Daitx.
O oncologista Paulo Hoff, professor da Faculdade de Medicina da USP, destacou que casos como o de Geraldo são “fatalidades médicas” e reforçam a importância de protocolos rigorosos de triagem.
Mesmo com os exames e análises realizados antes da doação — que incluem histórico médico, avaliação macroscópica e exames laboratoriais —, tumores microscópicos podem passar despercebidos, segundo o especialista.
O caso segue em apuração, enquanto Geraldo e Márcia continuam mobilizados por respostas e por mudanças que evitem que outras famílias enfrentem a mesma situação.