
A freira brasileira Aline Pereira Ghammachi, de 34 anos, entrou na Justiça italiana após ser afastada do comando de quatro mosteiros no país. A medida foi tomada pela congregação Cisterciense com base em acusações de maus-tratos, manipulação e desvio de recursos, feitas em uma carta anônima enviada ao papa Francisco em 2023. Aline nega todas as acusações e afirma ser vítima de perseguição e preconceito por ser “jovem e bonita demais” para o hábito.
Em entrevista exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo, neste domingo (29), a freira revelou que a denúncia partiu de outras religiosas com quem vivia em clausura no Mosteiro San Giacomo di Veglia, na cidade de Vittorio Veneto, norte da Itália. Após a repercussão da denúncia, Aline foi afastada da liderança religiosa em abril deste ano, e outras cinco freiras deixaram o mosteiro para acompanhá-la, alegando sofrer forte tensão psicológica.
“A tua beleza não ajuda”
Aline relatou que desde que foi nomeada madre-abadessa, em 2018, enfrentou resistência interna, principalmente do abade geral Mauro Giuseppe Lepori, que teria expressado incômodo com sua aparência.
“Desde sempre, a questão de ser jovem, de ser bonita, tudo isso já pesava. ‘A tua beleza não ajuda, não é boa’. Era um contexto mais para ridicularizar”, afirmou.
Carta anônima e acusações infundadasA freira afirma que a carta enviada ao Vaticano foi escrita por uma irmã responsável pelas noviças, com o apoio de outras três religiosas. Ela também afirma possuir prints e vídeos que comprovariam que uma das autoras da carta acessava sites pornográficos em equipamentos de uso coletivo no mosteiro.
Entre os motivos de atrito com a liderança da congregação, estaria a comercialização de uvas para a produção de prosecco, com o objetivo de garantir autonomia financeira ao mosteiro. A prática, segundo Aline, é comum em comunidades monásticas e seguiu trâmites legais. Uma perícia contábil ordenada pelo próprio abade não identificou qualquer irregularidade.
“O perito deu os parabéns pela transparência das contas dos nossos mosteiros”, destacou.
Caminhos jurídicos
A defesa da freira, representada pela advogada Esraíta Delaias, protocolou ações tanto no Tribunal Eclesiástico, questionando a legitimidade de seu afastamento, quanto na Justiça penal italiana, com denúncias de difamação e calúnia.Segundo a advogada, não há provas materiais que sustentem as acusações.
“Para uma acusação ser legítima, é preciso uma decisão que comprove os fundamentos com base em fatos, documentos e testemunhas — e isso não existe”, afirmou.
A irmã Aline ainda avalia entrar com uma ação de assédio sexual e moral contra o abade geral. Ela diz que preferiu não comentar detalhes do episódio na entrevista, mas afirma estar determinada a lutar pela verdade.
“Lutar pela verdade é algo cristão. Pretendo ir adiante até provar que essas acusações não são verdadeiras”, declarou.
Repercussão internacional
O caso, que envolve acusações dentro da estrutura da Igreja Católica e levanta questionamentos sobre preconceito de gênero e aparência no ambiente religioso, vem ganhando repercussão internacional. O Vaticano, até o momento, não se pronunciou oficialmente sobre o caso.
Enquanto a disputa avança na Justiça, Aline e as demais freiras que deixaram o mosteiro seguem afastadas da vida em clausura, aguardando os desdobramentos legais e canônicos para o possível retorno às atividades religiosas.