O câncer de pâncreas é conhecido por sua agressividade e pelo comportamento silencioso. Geralmente, cresce sem apresentar sintomas iniciais claros, o que leva a diagnósticos tardios e dificulta o tratamento. Mesmo com os avanços em quimioterapia, imunoterapia e outras terapias modernas, a resposta ao tratamento costuma ser limitada. Um dos principais desafios está na dificuldade dos medicamentos penetrarem efetivamente no interior do tumor.
Diante desse cenário desafiador, uma proposta inovadora está ganhando destaque. A bióloga espanhola Alejandra González, do Instituto de Pesquisa em Saúde de Aragón (IIS Aragón), propõe uma abordagem diferente: em vez de combater diretamente as células cancerígenas, por que não modificar o ambiente ao redor delas?
A ideia de González é criar, de forma temporária, vasos linfáticos dentro do tumor. Esses vasos teriam a função de drenar os líquidos acumulados, reduzindo a pressão interna do tecido e facilitando o acesso dos medicamentos ao tumor. Com essa alteração no microambiente, as drogas poderiam atingir mais facilmente seu alvo.
Tumores pancreáticos, em especial, são cercados por uma matriz fibrosa densa e tendem a acumular fluido intersticial. Esse acúmulo eleva a pressão interna, comprime os vasos sanguíneos e impede que os fármacos alcancem as células malignas de maneira eficaz. Mesmo que as terapias funcionem em laboratório, muitas vezes elas falham no corpo devido a essa barreira física.
A proposta da cientista atua diretamente nesse obstáculo. Ao induzir a formação de vasos linfáticos funcionais dentro do tumor, o excesso de líquido pode ser drenado, a pressão reduzida e o ambiente interno temporariamente transformado. Isso permite que a medicação se espalhe de forma mais eficiente no tecido tumoral.
A pesquisa vem sendo desenvolvida com modelos experimentais, especialmente em roedores e em “chips microfluídicos” — dispositivos de laboratório que simulam as condições físicas do corpo humano. Esses chips possibilitam o controle de variáveis como a rigidez do tecido e o fluxo de fluidos, permitindo observar como o tumor e os vasos reagem às mudanças propostas.
Com esses modelos, os resultados iniciais são promissores. A redução da pressão interna e a indução de vasos linfáticos demonstraram aumentar o transporte de medicamentos no interior do tumor, potencializando a eficácia dos tratamentos já existentes.
Um dos diferenciais dessa estratégia é seu caráter complementar. Ela não pretende substituir a quimioterapia ou a imunoterapia, mas preparar o terreno para que essas terapias tenham maior sucesso. Trata-se de uma intervenção que facilita a ação dos medicamentos tradicionais.
A relevância da proposta já vem sendo reconhecida internacionalmente. Alejandra González foi contemplada com o prêmio L’Oréal-UNESCO “For Women in Science 2025”, que destaca pesquisas de impacto lideradas por mulheres. Sua abordagem reúne conhecimentos de biologia vascular, engenharia de tecidos e oncologia, lidando com um fator muitas vezes negligenciado: a física do tumor.
Apesar dos avanços, o caminho até a aplicação clínica ainda é longo. O próximo passo será testar a estratégia em animais maiores, avaliar possíveis riscos, ajustar doses e verificar a segurança em humanos. Só depois disso será possível pensar em estudos clínicos mais amplos.
Se for validada, essa abordagem pode representar uma mudança de paradigma no tratamento oncológico. Em vez de apenas atacar o tumor diretamente, passa-se a intervir no ambiente ao redor, tornando-o menos hostil e mais acessível às terapias existentes. Isso pode aumentar consideravelmente as chances de sucesso de tratamentos que hoje falham não por falta de potência, mas por falta de acesso ao local da doença.
No contexto do câncer de pâncreas — uma das formas mais letais e difíceis de tratar —, a proposta oferece uma esperança concreta. Embora não represente ainda uma cura, ela pode tornar o tratamento mais eficaz, abrindo caminho para abordagens integradas e mais assertivas na luta contra a doença.