O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos postados por usuários voltou à pauta nesta quarta-feira (4/6), mas já enfrenta novo atraso. O ministro André Mendonça comunicou aos colegas da Corte que precisará de duas sessões para ler, na íntegra, seu voto — que, segundo apurou a reportagem, tem dezenas de páginas e será apresentado na íntegra, sem cortes ou resumos.
A decisão de Mendonça desacelera o avanço de um julgamento que já havia sido paralisado em dezembro do ano passado, justamente por um pedido de vista feito por ele. E agora, além do tempo necessário para sua leitura, já há expectativa de que outro ministro peça vista após a apresentação, o que empurraria ainda mais a conclusão da discussão.
Mendonça será o primeiro a divergir da maioria formada até agora. Ele vai sustentar que deve ser mantido o artigo 19 do Marco Civil da Internet, aprovado pelo Congresso em 2014. A norma estabelece que plataformas como Meta, Google e X (antigo Twitter) só podem ser responsabilizadas por publicações de terceiros quando descumprem uma ordem judicial de remoção. Na prática, isso significa que as empresas não podem ser punidas preventivamente com base em notificações extrajudiciais — como querem alguns ministros.
Até o momento, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux já votaram no sentido oposto. Eles consideram o trecho da lei inconstitucional e defendem uma interpretação mais rigorosa, permitindo que as plataformas sejam responsabilizadas quando deixam de agir mesmo após serem alertadas sobre conteúdos ilegais ou ofensivos.
O julgamento acontece em meio a forte pressão política e atuação intensa das big techs nos bastidores. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem cobrando uma decisão do Supremo, especialmente diante das críticas frequentes que figuras ligadas ao governo — como a primeira-dama, Janja da Silva — recebem nas redes. Ao mesmo tempo, representantes das empresas de tecnologia aumentaram sua presença em Brasília nas últimas semanas. Lobistas e advogados têm se articulado para evitar mudanças que possam ampliar a responsabilização legal das plataformas, argumentando que isso comprometeria a liberdade de expressão e abriria margem para censura.
Enquanto o STF analisa o caso, o Congresso permanece inerte. O Projeto de Lei das Fake News, que previa uma regulação mais clara do ambiente digital, perdeu fôlego com o lobby das plataformas e a falta de consenso entre os parlamentares. Diante desse vácuo legislativo, o Supremo acaba assumindo o protagonismo em uma pauta que deveria ser debatida por deputados e senadores.
Com o voto de Mendonça e a possibilidade de novos pedidos de vista, o caso tende a se arrastar ainda mais. O julgamento, que poderia trazer uma nova diretriz jurídica sobre o papel das redes sociais no combate à desinformação e ao discurso de ódio, segue preso a prazos internos e embates técnicos.
Enquanto isso, a internet brasileira continua em um limbo legal: sem regras claras, entre a proteção da liberdade de expressão e a urgência de responsabilizar abusos que ganham escala nas plataformas digitais.