Mais de 100 mil corpos foram identificados sob um estacionamento no centro de Salvador, onde funcionou, entre os séculos 17 e 19, um antigo cemitério destinado ao sepultamento de pessoas escravizadas e marginalizadas. O levantamento, resultado de pesquisa arqueológica, foi apresentado ao MP-BA (Ministério Público da Bahia) no último dia 21 e divulgado posteriormente no site do órgão. A reunião contou com promotores de Justiça, representantes da Santa Casa de Misericórdia, pesquisadoras e integrantes de instituições como o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o Ipac (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia).
O local, situado no Complexo Pupileira, pertencente à Santa Casa, ainda funciona como estacionamento. Após recomendação do Iphan, o MP-BA pretende emitir uma indicação para que o uso do espaço seja suspenso. Pesquisadores defendem que a área seja reconhecida como “Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos”.
As escavações começaram em maio e confirmaram a existência do cemitério, ativo do fim do século 17 até 1844, onde eram enterrados africanos escravizados e pessoas marginalizadas, como prostitutas, excomungados e condenados à morte. A arqueóloga Jeanne Almeida, que liderou os estudos, afirmou que o resgate do acervo arqueológico é “fundamental para construção da memória de legados populares e sua reparação histórica”. Segundo ela, “é um tema de relevância para a formação da memória social e coletiva da Bahia e do país, pois estamos falando de séculos em que pessoas foram retiradas de seu território de maneira forçada para serem escravizadas e que tiveram seus laços quebrados e memórias apagadas”.
Os estudos indicam que pessoas enterradas ali viviam “à margem da sociedade”. Entre elas estavam “escravizados, pobres, indigentes, não-batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos e insurgentes”, de acordo com o MP-BA.
Os achados resultam de cooperação técnica entre a Santa Casa, o MP-BA e as pesquisadoras. A intermediação do Ministério Público, ocorrida em dezembro de 2024, possibilitou a realização das escavações no terreno do Complexo Pupileira, localizado próximo ao Dique do Tororó, no centro da capital baiana.
Durante o evento no MP-BA, Jeanne Almeida detalhou o trabalho de campo, realizado ao longo de dez dias, que identificou materiais e fragmentos ósseos humanos, considerados vestígios do antigo cemitério. Entre os possíveis enterrados estão líderes da Revolta dos Búzios (1798), da Revolução Pernambucana (1817) e da Revolta dos Malês (1835). Conforme a coluna de André Santana, também podem estar sepultados no local integrantes de outros movimentos brasileiros de libertação negra.
A descoberta da localização do cemitério foi resultado das pesquisas da arquiteta e doutoranda Silvana Olivieri, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA (Universidade Federal da Bahia). Ela chegou à conclusão após investigações em documentos históricos que apontaram o Complexo Pupileira como o terreno onde funcionou o cemitério.













