As altas temperaturas já representam cerca de 1% de todas as mortes registradas na América Latina, e esse índice pode mais que dobrar nos próximos 20 anos, caso se confirmem cenários moderados de aquecimento global. A projeção considera o envelhecimento natural da população e estimativas de aumento da temperatura entre 1 ºC e 3 ºC no período de 2045 a 2054. Os dados são resultado de uma análise realizada em 326 cidades de nove países da região por uma rede internacional de cientistas.
No pior cenário previsto, o percentual de óbitos atribuídos ao calor pode alcançar 2,06% do total. Hoje, essa proporção está estimada em 0,87%. Segundo Nelson Gouveia, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o impacto não será sentido igualmente por todos.
Ele alerta que os grupos mais vulneráveis incluem pessoas idosas e em situação de pobreza, especialmente aquelas que vivem em áreas afastadas dos centros urbanos, em condições precárias de moradia e sem acesso a recursos como ventilação adequada ou espaços arborizados. “As mortes são apenas a ponta do iceberg. O calor extremo aumenta o risco de infartos, insuficiência cardíaca e outras complicações, especialmente em pessoas com doenças crônicas”, explica
Além das mortes, o calor excessivo está associado ao aumento de casos de infarto, falência cardíaca e outras complicações de saúde, principalmente entre indivíduos com doenças crônicas.
A análise referente ao Brasil utilizou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, combinados com informações do Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Assim como nos demais países participantes do estudo, o número de mortes relacionadas a temperaturas extremas tende a subir, tanto em episódios de calor quanto de frio. Um dos fatores determinantes é o crescimento da população com mais de 65 anos ao longo da próxima década.
O levantamento aponta que, embora o risco seja significativo, parte considerável dessas mortes pode ser evitada por meio da criação e implementação de estratégias de adaptação climática. Entre as ações recomendadas estão a elaboração de planos para lidar com ondas de calor, reformas urbanas que ajudem a reduzir a exposição da população às altas temperaturas e medidas de proteção voltadas especialmente a grupos em situação de maior vulnerabilidade.
Outras iniciativas consideradas eficazes incluem a instalação de sistemas de alerta antecipado com linguagem acessível à população, ampliação de áreas verdes e criação de corredores urbanos que favoreçam a ventilação natural das cidades. Também são sugeridas campanhas educativas sobre os riscos das temperaturas extremas e protocolos de atendimento preferencial a pessoas idosas e com condições médicas preexistentes, modelo já em uso em cidades como o Rio de Janeiro.
A pesquisa integra o projeto Salurbal-Clima, voltado à análise das relações entre mudanças no clima e saúde pública em contextos urbanos da América Latina. A iniciativa reúne pesquisadores de instituições acadêmicas de nove países latino-americanos e dos Estados Unidos, com duração prevista até 2028.