Mais de 250 casos de intoxicação por metanol já foram registrados no Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde. Esses casos, envolvendo consumo de bebidas alcoólicas adulteradas, incluem tanto notificações em investigação quanto confirmações. Até a última quarta-feira (8), foram contabilizadas cinco mortes confirmadas no estado de São Paulo e outras 11 ainda sob apuração.
Diante da gravidade da situação, universidades e instituições públicas têm intensificado a busca por soluções que ajudem a detectar rapidamente a presença do composto. No entanto, muito antes da atual crise, a mestre em química Larissa Alves de Mello Modesto já havia se antecipado ao problema ao desenvolver um teste rápido, acessível e eficiente para identificar metanol em bebidas e combustíveis.
O teste foi concebido no Instituto de Química da Unesp, em Araraquara, durante o mestrado de Larissa iniciado em 2018. Segundo ela, o diferencial da tecnologia é sua simplicidade: “Essa reação química funciona na mão de qualquer pessoa”, afirma. Mesmo indivíduos com o mínimo de conhecimento técnico são capazes de utilizar o kit, gerando resultados que podem ser fundamentais para decisões de saúde e segurança.
Motivada pelo desejo de aproximar a ciência do público, Larissa explica que escolheu esse projeto justamente por acreditar que a química deve ser compreensível e útil para a população em geral. “O público às vezes fala que química é difícil. Mas eu abracei esse projeto porque queria tornar a ciência acessível para todos”, destaca a pesquisadora.
Como funciona o teste para detectar o metanol
O teste criado pela equipe da química Larissa Modesto é baseado em um método colorimétrico — uma técnica simples que permite visualizar os resultados por meio da mudança de cor da amostra. Com custo estimado de apenas R$ 10 e duração de 15 minutos, o procedimento detecta a presença de metanol em líquidos como cachaça, uísque, vodca, etanol e gasolina.
Ao entrar em contato com a amostra, o reagente utilizado no teste reage quimicamente com o metanol, provocando uma coloração roxa quando o composto está presente em níveis acima do permitido pela Anvisa — ou seja, mais de 20 miligramas por 100 mililitros de bebida. Como não exige aparelhos sofisticados de laboratório, o teste é especialmente útil em ações de fiscalização, inspeções em campo e para produtores artesanais.
A metodologia desenvolvida foi validada de acordo com os padrões estabelecidos pela Anvisa, que determina os critérios exigidos para a aprovação de métodos analíticos no país. Além disso, o procedimento também atende às diretrizes técnicas do Ministério da Agricultura, o que reforça sua aplicabilidade em diferentes contextos de fiscalização.
Finalizado em 2022, após atrasos causados pela pandemia, o projeto resultou em um kit de detecção de metanol que já possui patente registrada, embora ainda não conte com uma empresa parceira para viabilizar sua produção em escala comercial. Segundo a pesquisadora Larissa Modesto, o objetivo agora é encontrar uma companhia disposta a transformar o protótipo em um produto acessível para o público. “A ideia é criar um kit prático, com copos demarcados, reagentes simples de usar e um manual bem explicativo”, detalha.
Uma trajetória marcada pela ciência
Formada em Química pela USP, Larissa deu início ao mestrado na Unesp em 2018, onde desenvolveu dois métodos colorimétricos distintos para detectar metanol em uma variedade de produtos, como combustíveis, bebidas alcoólicas e até vinagres. Ambos os métodos foram registrados como patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Segundo ela, o interesse pela pesquisa surgiu de uma demanda real: “Eu e meus orientadores fomos procurados pela Agência Nacional do Petróleo, que precisava de um método rápido e aplicável em campo para identificar metanol”, conta. Inicialmente, Larissa buscava o mestrado para melhorar suas chances no mercado de trabalho.
Além da trajetória acadêmica, Larissa construiu uma carreira com experiências relevantes fora do ambiente universitário. Na Embrapa, colaborou com um projeto de aprimoramento e validação de um analisador fototérmico voltado à análise de biocombustíveis. Anteriormente, atuou no setor alimentício, trabalhando na empresa Loop Aromas e Sucos Concentrados. “Sempre tive o desejo de ver a aplicação real das soluções químicas no mercado. Por isso, optei por não seguir no doutorado e focar minha atuação no setor privado”, explica.