Uma decisão inédita do ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), tem impedido há semanas a autuação da empresa JBS Aves por suposto uso de trabalho análogo à escravidão. A medida foi tomada após o ministro avocar para si o julgamento sobre a inclusão ou não da empresa na “lista suja do trabalho escravo”, mecanismo que desde 2003 expõe publicamente empregadores flagrados nessa prática.
O caso surgiu após uma fiscalização realizada em abril deste ano, em granjas do Rio Grande do Sul, fornecedoras da JBS Aves. Segundo os auditores do Ministério do Trabalho, pelo menos dez trabalhadores foram resgatados, submetidos a jornadas de até 16 horas e condições degradantes de trabalho.
Embora o poder de avocação esteja previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o uso desse dispositivo para esse tipo de processo nunca havia ocorrido desde a criação da lista suja, segundo informações da ONG Repórter Brasil, especializada em combate ao trabalho escravo.
A justificativa para a decisão foi apresentada em despacho datado de 9 de setembro, no qual a consultoria jurídica do Ministério avaliou como legal e apropriado o ato do ministro. O procurador federal Ricardo Augusto Panquestor Nogueira, responsável pelo parecer, argumentou que, diante da complexidade e gravidade das acusações, além de seus possíveis efeitos econômicos nacionais, a avocação seria justificada.
A reação à decisão foi imediata dentro do Ministério do Trabalho. Em protesto contra a interferência política, nove auditores fiscais renunciaram a seus cargos de chefia. A renúncia coletiva foi anunciada na quinta-feira (25), sinalizando forte descontentamento com o que consideram uma quebra na autonomia técnica da fiscalização.
Durante o governo Lula, representantes da JBS participaram de pelo menos dez reuniões no Ministério do Trabalho, incluindo uma visita de Marinho à fábrica da empresa em Lins (SP), em outubro de 2023. A proximidade institucional levanta questionamentos sobre possíveis conflitos de interesse.
Em nota, a JBS Aves — que detém a marca Seara — afirmou ter “tolerância zero” com violações de direitos trabalhistas e declarou que todos os seus parceiros seguem um Código de Conduta rigoroso, o qual proíbe práticas como as denunciadas. A empresa também informou que rompeu o contrato com a terceirizada assim que soube das denúncias.
O Ministério do Trabalho ainda não se pronunciou oficialmente sobre o caso. A reportagem segue acompanhando e mantém o espaço aberto para manifestação da pasta.