Sob pressão após o revés com a PEC da Blindagem, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu alterar o foco da agenda legislativa. Nesta terça-feira, ele colocará em votação um pacote de projetos voltados à segurança pública, numa tentativa de responder à opinião pública e reconquistar apoio interno. A pauta inclui, entre outros pontos, o aumento das penas para assassinatos de policiais e a criação de um novo tipo penal que define o crime do chamado “novo cangaço”.
A PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara há duas semanas, foi posteriormente barrada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, gerando forte reação da sociedade civil. O texto previa que parlamentares só poderiam ser processados com autorização do Congresso, o que foi amplamente criticado por representar um retrocesso no combate à impunidade. A derrota no Senado acabou gerando desgaste político para Motta, especialmente entre os próprios deputados.
Como tentativa de conter a crise, o presidente da Câmara pretende votar oito propostas com teor mais alinhado ao clamor popular. Uma das principais trata do “domínio de cidades”, prática criminosa que ficou conhecida como “novo cangaço”. O projeto visa punir de forma mais dura ações organizadas de quadrilhas que atacam municípios, fecham acessos com explosivos e usam reféns como escudos, como aconteceu em Araçatuba (SP), em 2021, e Criciúma (SC), em 2020.
Atualmente, crimes desse tipo são enquadrados em diferentes dispositivos legais, como roubo qualificado, porte ilegal de arma de uso restrito, uso de explosivos e associação criminosa. As penas variam entre 3 e 12 anos, dependendo do agravante. No entanto, parlamentares alegam que a legislação atual não é suficiente para coibir esse tipo de ação coordenada e extremamente violenta.
Com isso, o novo projeto propõe uma mudança significativa: a criação de um tipo penal específico para o domínio de cidades, com pena que vai de 12 a 30 anos de prisão. Além disso, o crime passaria a ser classificado como hediondo, o que elimina a possibilidade de anistia, indulto ou graça, além de dificultar o acesso a benefícios penais. A iniciativa é apresentada como uma resposta direta à escalada da violência no interior do país.
Em 2022, a Câmara dos Deputados já havia aprovado uma proposta semelhante à que agora retorna à pauta, estabelecendo pena máxima de 30 anos para o crime de “domínio de cidades”. No entanto, a matéria acabou paralisada no Senado e não avançou na tramitação, permanecendo engavetada desde então.
Outro projeto presente no novo pacote de segurança altera tanto o Código Penal quanto a Lei de Crimes Hediondos para endurecer as punições contra crimes cometidos contra policiais ou servidores da segurança pública. Hoje, o homicídio simples prevê de 6 a 20 anos de prisão, com agravantes já previstos para agentes públicos. A proposta amplia esse teto para até 30 anos. No caso de lesão corporal, cuja pena atual varia de 1 a 5 anos, o texto propõe a possibilidade de dobrar a punição se o crime ocorrer contra policiais em serviço — uma medida que reforça o conceito de “proteção da farda”, defendido pela chamada bancada da bala.
Também está em análise uma mudança na Lei de Organizações Criminosas. A pena atual para integrar facção é de 3 a 8 anos, podendo ser maior para líderes. O novo texto eleva a pena máxima para 12 anos e prevê agravantes quando houver uso de armamento pesado ou quando a atuação criminosa ultrapassar as fronteiras de um único estado. A justificativa é o crescimento das facções de atuação nacional e sua diversificação para atividades além do tráfico de drogas.
Dentro desse cenário, o governo federal tem demonstrado preocupação com a expansão do poder das organizações criminosas. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, destacou recentemente que essas facções já atuam em setores da economia formal, o que tem reforçado os argumentos em favor de um endurecimento da legislação penal e processual.
Entre os projetos, há ainda a proposta de criminalizar de forma específica a obstrução da Justiça. Embora condutas como destruição de provas ou intimidação de testemunhas já sejam punidas por meio de outros artigos do Código Penal, o novo texto cria um tipo penal autônomo, com pena de até 8 anos — superior às penas atuais, que variam entre 1 e 4 anos.
Mudanças no Código de Processo Penal também fazem parte do pacote. Uma das propostas reduz de 24 para 12 horas o prazo para que o auto de prisão em flagrante seja enviado ao juiz, além de permitir que parte dos documentos seja encaminhada eletronicamente, o que busca agilizar o processo e modernizar os procedimentos.
Na área do financiamento da segurança pública, duas medidas ganham destaque. Uma delas transfere diretamente aos estados os bens e valores apreendidos em crimes ligados ao tráfico, recursos que hoje são centralizados no Fundo Nacional Antidrogas. A outra prevê o aumento do percentual da arrecadação das apostas esportivas destinado à segurança: de 2,55% para até 5%, direcionando parte da receita das “bets” ao custeio das polícias estaduais.
Com os oito projetos, o pacote representa uma aposta clara no endurecimento penal e no fortalecimento do financiamento da segurança. Ao levar todos os textos ao plenário de uma só vez, Hugo Motta busca reagir ao desgaste político recente e, ao mesmo tempo, se alinhar à bancada da segurança pública e ao PL, partido com forte apelo entre policiais e eleitores conservadores.